A mediação ainda é desconhecida por muitos gestores e auxilia na gestão de conflitos. Uma boa conversa com fundamentos técnicos pode ser também uma saída
Nem sempre reinam a paz e o amor nos condomínios. Discussões em que o volume das vozes aumenta e relações em que há falta de paciência e de empatia fazem parte da rotina de muitos síndicos. “Nos condomínios, é nítido como as pessoas pioraram após a pandemia. Muitos condôminos fazem reclamações descabidas ao síndico por WhatsApp e querem respostas na hora”, pontua a advogada e administradora de condomínios Alice Biancalana.
É claro que há reclamações fundamentadas que precisam de solução. “A mediação nada mais é do que uma competência que o síndico pode desenvolver na gestão de conflitos e de pessoas. Mas esbarramos, muitas vezes, na limitação do síndico para isso. Ele conhece bem as pessoas e as reclamações, e nem sempre é a melhor pessoa para fazer a mediação. O mediador vem de fora, é neutro e pode trazer uma solução”, sustenta Alice.
Na prática, a mediação acontece desde que as partes concordem em conversar. O mediador avisa que estão em um ambiente de confidencialidade, seguro, onde cada um pode se colocar. Cada parte fala sem ser interrompida. “É justamente o oposto do clima bélico que costumamos ver em assembleias. O morador se sente validado porque, finalmente, alguém o ouviu e entendeu. Ele realmente está ali numa escuta ativa, e isso é fundamental em uma mediação”, pontua a advogada.
Porém, o que se vê no dia a dia dos condomínios ainda são dúvidas e desconhecimento sobre os resultados da mediação. “A vida do síndico pode ser mais tranquila, inclusive para que ele se blinde de danos à sua saúde mental. Após a mediação, desde que os participantes cheguem a um bom termo, o síndico tem um documento com o comprometimento das partes, trazendo tranquilidade para a gestão”, explica.
O advogado João Paulo Rossi Paschoal, assessor jurídico da AABIC (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), concorda que há desconfiança e preconceito contra a mediação: “Muitos ainda acreditam que irão perder tempo e que será um gasto inútil.”
Docente na graduação em Direito na UNINOVE, João Paulo dá aulas, inclusive, de uma disciplina voltada às formas consensuais de solução de conflitos. “Meus alunos costumam questionar o que terão em mãos como resultado de uma mediação. Explico que, se a mediação tiver êxito, há a formação de um título executivo. Se a mediação se der no âmbito do Judiciário, haverá um juiz homologando um acordo, e aquilo é título judicial. E se acontecer em uma câmara de mediação, haverá um título executivo extrajudicial em mãos. Ou seja, há o receio de dialogar, chegar a um equilíbrio e o outro lado não cumprir a sua parte. Nesse caso, há um título, com as disposições que foram firmadas, que pode ser executado. Mesmo quando a mediação dá errado, isto é, quando o ajustado não é cumprido, há um ganho de tempo”, conclui João Paulo, completando que, embora com uma sentença judicial, nada garante que o “lado de lá” cumpra o que foi determinado com rapidez e espontaneidade. “Vejo que, no Brasil, mesmo com leis de uma década sobre mediação (N.R. Lei de Mediação – Lei 13.140, de 2015, e Código de Processo Civil de 2015, Lei nº 13.105/2015, que é o texto legal que regula os procedimentos processuais civis no Brasil), ainda temos que ter a coragem de colocar a mediação em prática, de não transformar tudo em processos. Infelizmente, temos a cultura do dedo em riste, das ameaças”, acredita.
Mais agilidade e menos custo
Especialmente para conflitos de vizinhança, João Paulo recomenda que, antes de judicializar a questão, é preciso esgotar as formas de solução consensual. “Muitas vezes, o diálogo pode começar com uma ligação, que pode ser dos advogados das partes, ou uma carta-convite para uma mediação. Há como resolver problemas de forma mais rápida, barata e menos dolorosa. Um processo judicial é garantia de ônus, de tempo e de angústia. Há muito sofrimento pela indefinição do problema.”
Numa época em que todos estão com os nervos à flor da pele, em que tudo é urgente e o síndico precisa dar conta de tarefas “para ontem”, investir no diálogo parece ser o mais acertado. A síndica profissional Patrícia Nahas, com cerca de 20 anos de experiência em gestão de condomínios, é favorável a investir tempo em uma conversa com o morador envolvido no problema. “Acredito que, conversando, sempre achamos um caminho para a solução.”
Patrícia conta que, quando confrontado, o condômino tende a achar que há uma perseguição pessoal a ele. Ela lembra do caso de um vazamento numa prumada. Havia uma suposição de qual seria o andar onde o problema se originava, causando danos aos andares abaixo. A síndica então explicou ao condômino que ele deveria autorizar o acesso à sua unidade. “Ele queria saber primeiro quem iria pagar o conserto. Eu expliquei que só quebrando saberíamos se o problema era do condomínio ou da sua unidade. E expliquei que o andar de baixo já estava com a marcenaria danificada. Ou seja, a conta poderia ficar cada vez mais alta. Ainda assim, ele dizia que eu havia cismado com ele.”
Mesmo com muita conversa, Patrícia precisou enviar uma notificação para que fosse autorizado o acesso ao apartamento. Resultado: o problema era do morador. Para evitar mais desgaste, a síndica solicitou autorização ao conselho para que o condomínio arcasse com as custas do conserto e, posteriormente, a unidade foi cobrada. “Expliquei a ele que a notificação era uma medida administrativa, que não era uma discussão pessoal”, conta.
Como engenheira civil, Patrícia costuma ser prática e fazer uso de seu conhecimento técnico na solução de conflitos. Mas há casos em que nem um bom papo resolve. Podem se tratar de problemas simplesmente sem solução, como o caso de uma sala de ginástica instalada no terceiro andar do condomínio, cujo som reverberava até o nono andar. “Era um problema construtivo”, diz. Há também aqueles moradores “da guerra”, como Patrícia costuma defini-los. “Por mais que o síndico se esforce, esse perfil de condômino sempre vai querer brigar.”



Agradecimentos aos entrevistados:
Alice Biancalana, João Paulo Rossi Paschoal e Patrícia Nahas
Matéria publicada na edição 313 jul/25 da Revista Direcional Condomínios
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Jornalista com larga experiência em reportagens e edição de revistas segmentadas. Editora do site e Instagram O melhor lugar do mundo, voltado à decoração, arquitetura e design. Editora da Panamby Magazine, publicação dirigida aos moradores do bairro do Panamby, região do Morumbi, em São Paulo. Desde 2005 também atua na área da educação, com publicações especializadas e cursos para formação de professores.